Porque barras são melhores que máquinas? by Mark Rippetoe | December 02, 2018 Traduzido por Davi Barreira e Eugenio Ventura [Portuguese translation of Why Barbells are Better than Machines] Quando uma pessoa entra em uma academia, ela pode ficar confusa em como gastar seu tempo – uma sessão cheia de máquinas fáceis de usar, ou em uma sessão com barras, que pode deixa-la intimidada por não saber como usá-las corretamente ou pelo tipo de gente que está por perto. Vamos esclarecer uma coisa: treinamento com barra é a melhor forma para ficar forte. Não existe comparação. Nada é tão eficaz quanto o agachamento com barra, o desenvolvimento militar (em inglês, conhecido como press), o levantamento terra e os levantamentos olímpicos quando o assunto é ganho de força, explosão e hipertrofia. O motivo das barras serem tão úteis é que elas são a forma mais ergonômica que existe de se levantar peso – elas permitem que objetos muito pesados sejam segurados com as mãos e levantados diretamente sobre o centro dos pés. Como são totalmente ajustáveis, as barras permitem que stress seja aplicado em todo o corpo em pequenos incrementos: esses incrementos acumulados resultam em incríveis ganhos de tamanho e força ininterruptos, por anos de progresso. Tempos atrás, as academias eram equipadas com barras. E era justamente para usar uma delas que você ia até lá: uma barra de aço com halteres de ferro que eram adicionados para aumentar o peso. Se você as usasse de pé, uma posição natural para um bípede como você, havia um número limitado de exercícios que você poderia fazer. Você poderia colocar a barra nas costas ou ombros, agachar-se e levantar-se, pegar a barra com as mãos e levantá-la para cima da cabeça ou colocá-la no chão, segurá-la e levantar-se. Esses exercícios funcionavam muito bem, pois usavam as funções normais de todas as articulações e músculos do corpo. Lutando contra a gravidade: porque treino com barra funciona Treinar em pé com barra pode ser resumido brevemente como: movimentar seu peso corporal, mais a barra carregada, em uma linha vertical sobre o seu centro de gravidade, que fica no centro do seu pé. A eficácia desse movimente se deve à gravidade. Surpreendentemente, a gravidade sempre atua em uma só direção: para baixo. Assim, a maneira que você resiste a ela também é em somente uma direção: para cima. Seu corpo se equilibra em torno do centro da sua pisada, da mesma forma quando fazemos para levantar objetos pesados. Isso significa que a melhor maneira de se levantar peso é com ele próximo ao seu corpo – e assim, próximo ao centro do seu pé – em linha reta e na vertical. Barras permitem fazer isso de forma mais fácil do que com objetos de formato estranho, como um cortador de grama. Manter o peso próximo ao corpo é a maneira mais comum de se manusear qualquer objeto pesado. Você já faz isso sem pensar. Preste atenção da próxima vez que for pegar algo pesado do chão. Você se aproximou o máximo que podia antes de levantar esse objeto, pois sua experiência lhe ensinou que quando o peso está próximo ao seu pé fica mais fácil levantá-lo. É bem provável quando você se machucou tentando levantar o cortador de grama, a causa foi o peso dele não estar próximo o suficiente do seu centro de gravidade. O aumento da variedade dos tipos de bancos de academia alterou a natureza do treino com barra, fazendo com que o supino substituísse o desenvolvimento militar como o principal exercício para os membros superiores. Bancos permitem que seu centro de gravidade se mova para suas costas ou sua bunda, e é assim que o supino ou qualquer exercício em um banco funciona. Entretanto, a posição padrão para o treino com barra é em pé, com ambos os pés espaçados igualmente abaixo da barra. A barra permite aplicar carga a um movimento natural do corpo, aumentando o peso progressivamente, um processo que força o corpo a se tornar mais forte, ele querendo ou não. Afinal de contas, se você começar com uma barra vazia de 20 kg no chão e adicionar 2,5kg a cada semana, em 6 meses seu levantamento terra já vai estar em 80 kg. Em um ano, você vai chegar em torno de 140 kg. E vale lembrar que quase ninguém começa com 20 kg – até mesmo sua mãe é mais forte que isso, só de ter tido que levantar essa sua bunda gorda do chão durante todos esses anos. Treino com barra é simples, lógico, efetivo, barato, e, o mais importante, comprovado. Ele tem funcionado por décadas para milhões de pessoas, e tem servido como base para o treino de força de atletas desde o começo do século 20. Então por que as academias modernas estão lotadas de máquinas em vez de barras e anilhas? Nasce um novo negócio Uma alternativa a esse método de ganhar força foi desenvolvida a partir alguns equipamentos que estavam por aí em academias de caras que sabiam soldar: máquinas que trabalhavam músculos de forma isolada. Versões simples já eram usadas há décadas e fotos antigas de flexores e extensores de pernas podem ser encontradas em revistas das décadas de 50 e 60. Em meados da década de 70, Arthur Jones começou a comercializar sua linha de máquinas Nautilus para academias, equipes esportivas, colégios, universidades e o resto do mundo inteiro. Muitas dessas belas e bem soldadas máquinas azuis foram vendidas ao longo dos anos, em kits de 12 peças. A Nautilus revolucionou a indústria, definindo o que seria uma academia moderna, como a que você provavelmente é membro: uma sala cheia de máquinas cintilantes e com vários professores circulando entre elas. O circuito de Nautilus consistia em 12 exercícios diferentes executados em uma ordem específica, até a falha. E o negócio te destruía. Te fritava, queimava, explodia, assassinava. O circuito da Nautilus humilhava até mesmo quem já tinha alguma experiência como atleta, porque trabalhar um pequeno grupo de músculos até o seu limite é difícil e desconfortável. Mas isso não fez com que ninguém ficasse mais forte, a não ser nos exercícios das próprias máquinas, e por umas seis semanas. Para uma pessoa que não treina, qualquer coisa funciona por umas seis semanas, porque iniciantes não estão acostumados com nenhuma atividade física. Qualquer coisa vai gerar uma adaptação e deixá-los mais fortes. Por umas seis semanas. Do ponto de vista dos negócios, as máquinas Nautilus eram fáceis de entender, cuidar e ensinar como usar, porque só se moviam de um jeito. É por isso que deu tão certo. Era um sistema baseado nas vendas, não em treinamento ou exercícios. As academias agora poderiam contratar qualquer um que se parecesse com um personal trainer, porque demorava uns 35 minutos para aprender como fazer todos os exercícios. Como não havia variações, a única coisa para aprender era como regular a altura do banco. Assim, sobrava mais dinheiro para aumentar o pessoal de vendas. De uma perspectiva de gestão, faz todo o sentido. As academias baseadas em máquinas também deram origem a uma nova abordagem no mercado de cursos universitários de educação física, que na época estava em franca expansão. Como os graduados precisavam trabalhar em algum lugar e as academias estavam surgindo por toda a parte, a abordagem baseada em máquinas era silenciosamente adotada também pela comunidade acadêmica. Um número crescente de artigos acadêmicos passou a se basear no uso de máquinas para investigar como o corpo humano reage ao stress físico. Assim, uma situação interessante foi criada ao longo das últimas décadas: cada vez mais pessoas passaram se exercitar e a grande maioria fazendo isso de forma ineficiente. Exercícios com máquinas não funcionam muito bem, e é importante entender o porquê. Porque máquinas não funcionam Parece contra intuitivo que algo que seja fisicamente difícil ao ponto de te fazer vomitar, não consiga te fazer muito mais forte. Entretanto, reflita por um momento sobre o que é ser forte – ter a capacidade de exercer força contra uma resistência externa. Ficar mais forte é a adaptação mais abrangente, pois ela tem efeito positivo em todos os demais atributos físicos. Quando uma pessoa é “forte”, todo seu corpo é forte, não só seus quadríceps, bíceps ou tríceps. Máquinas nunca compuseram a base dos programas de atletas de força que participam de competições, pois elas não possuem a capacidade que barras tem para o progresso de longo prazo. Você não consegue aumentar a carga em uma cadeira extensora ao longo dos anos, já no levantamento terra sim, pois seus músculos não foram projetados para trabalhar isoladamente dos demais músculos da região. Seus músculos trabalham como um sistema de motores que operam as alavancas do seu esqueleto, que por vez movimentam as cargas que encontramos no dia-a-dia. Máquinas utilizam somente uma ou duas alavancas por vez, enquanto o levantamento terra usa todas. E quando todas trabalham em conjunto, é possível movimentar mais peso do que quando se utiliza somente uma ou duas isoladamente. Já que seu corpo inteiro consegue movimentar cargas mais pesadas do que seus músculos individualmente, o treino de força utilizando barra aplica bem mais stress sobre ele – no bom sentido - do que uma máquina que trabalha com um grupo de músculos isolados. Trabalhar com um grupo de músculos isolados até a falha certamente pode gerar desconforto, mas como a capacidade de produzir força está limitada pela massa dos músculos envolvidos, sua capacidade de ganhar força também estará limitada. Levantamentos terra, agachamentos, e desenvolvimentos militares permitem utilizar mais massa muscular e assim gerar mais ganhos de força do que exercícios que isolam músculos. Algumas máquinas, como já discutido acima, usam poucos músculos e uma ou duas articulações. É fácil notar o problema: esses exercícios não trabalham massa muscular suficiente para proporcionar o stress necessário para gerar qualquer mudança no corpo. Você pode pegar pesado ao ponto de se sentir no inferno enquanto faz esses exercícios, porém eles não vão te fazer mais forte em nada, a não ser neles mesmos. A força é útil quando vai além de realizar movimentos com uma única articulação. O negócio é que agachamentos te deixam mais forte e extensões de perna não. Tudo cai Algumas máquinas usam mais músculos e articulações, outras, como as Smith Machine, até se parecem com o treino com barra. O que todas essas máquinas têm em comum é que você não pode cair enquanto as usa. Um pequeno detalhe não pode passar despercebido: o movimento normal do corpo humano – quando o usamos para interagir com o ambiente – é uma atividade muito complexa. É o resultado acumulado do esforço de centenas de músculos movendo centenas de ossos sob o controle de milhares de nervos. Você precisa se equilibrar sobre o centro do seu pé enquanto se move ao longo do dia (o que fica cada vez mais difícil para os idosos), e interagir com objetos à sua volta que exigem uma coordenação integrada entre a força que você aplica e a massa desse objeto. Aprender a mover a barra ao longo de toda a amplitude de movimento normal do seu corpo, sem cair, significa que você está produzindo força e se equilibrando ao mesmo tempo. O uso dos seus tornozelos, joelhos, quadris, coluna, ombros, cotovelos, punhos e dedos, e os músculos que os movem – todos trabalhando juntos, sob uma carga crescente – enquanto você se mantém em pé, significa que suas articulações e músculos estão operando da forma deveriam: ficando mais fortes enquanto você se equilibra. Além disso, a aplicação normal da força nas atividades diárias, e especialmente nos esportes, envolve a capacidade de fazê-la em situação de desequilíbrio. O termo “força em campo” tem sido aplicado a habilidade que grandes atletas têm de exercer muita força até mesmo nessas situações. A força física aumenta de maneira mais eficiente quando o corpo está equilibrado sobre os dois pés, pois é nessa situação que mais peso pode ser levantado. Atletas de campo, e normalmente a própria vida, exigem a habilidade de exercer força em posições não ótimas. Aumentar sua força como um todo melhora sua capacidade de realizar atividades em situações de desequilíbrio. Mova-se como seu corpo foi projetado para se mover Um ponto ainda mais importante para quem usa máquinas para se exercitar é o movimento artificial e restrito imposto por essas máquinas. O movimento normal das pernas é por meio da flexão e extensão coordenadas dos quadris e joelhos. Músculos agonistas e antagonistas funcionando simultaneamente; panturrilhas, isquiotibiais, quadríceps e músculos do quadril trabalhando juntos – agachamentos, levantamentos terra, corrida e caminhada. Sentar numa máquina e usar os apoios das mãos para pregar a bunda no assento, com o joelho se estendendo sozinho, ou ainda flexionar seus cotovelos enquanto os ombros e braços estão parados... bem, isso é estúpido. E uma excelente receita para lesões, já que mover uma articulação por vez enquanto outras são imobilizadas artificialmente força os tendões e ligamentos a fazerem coisas para as quais não foram projetados. O movimento de músculos isolados idealizado por Arthur em suas máquinas Nautilus está longe de ser o adequado para a preparação física, tanto nos esportes quanto na vida. Mais uma vez, ser forte – a capacidade de exercer força contra uma resistência externa – é a base da nossa existência física. Há apenas um tipo de força, o tipo em que seus músculos contraídos produzem contra os ossos do seu esqueleto enquanto eles interagem com o chão e com objetos que você manipula com as mãos. Ficar mais forte significa que você aumentou sua capacidade de produzir força, o que requer o uso progressivo de cargas mais pesadas. O uso de máquinas é ineficiente para atingir esse objetivo, já que sua habilidade de progredir está limitada pela inerente natureza dos exercícios isolados; além disso, a falta da necessidade de se equilibrar limita a capacidade do exercício de construir força “funcional”, que é a aplicada em situações normais de esforço físico do corpo humano. Força é muito importante, e treino com barra é a melhor maneira de desenvolvê-la. English version